Um menino sírio de 8 anos veio correndo mostrar um dos cartuchos usados de gás, com a marca "Made in Brazil" -produzido pela Condor, empresa com sede no Rio.
Marcelo Ninio/Folhapress
Um cemitério de tanques e casas em ruínas é o que restou do vilarejo sírio de Ezaz, a sete quilômetros da fronteira com a Turquia, após seis dias de combates entre os rebeldes e tropas leais ao ditador Bashar Assad.
Ontem, por volta das 18h (13h de Brasília), as forças rebeldes declararam vitória e hastearam a sua bandeira no terminal de fronteira de Bab al Salam (porta da paz, em árabe), de onde o Exército sírio bateu em retirada.
A tomada da fronteira é mais um sinal inegável do avanço do ELS (Exército Livre da Síria), a força rebelde que nos últimos dias conseguiu levar os confrontos pela primeira vez ao centro das duas principais cidades do país, Damasco e Aleppo.
No terminal de Bab al Salam, enormes bandeiras da Síria estão espalhadas pelo chão, junto a retratos em pedaços do ditador Assad. Os prédios guardam sinais da batalha recente, com rombos abertos por artilharia pesada.
Armados de fuzis Kalashnikov, jovens com idades entre 17 e 25 anos comemoram a vitória enrolados na bandeira rebelde, a mesma adotada após o país tornar-se independente, nos anos 40.
A ofensiva foi comandada por Amar Dadikhi, 42, comerciante de alimentos que virou líder rebelde. Amparado por uma bengala, Dadikhi mostra três marcas de tiros na perna direita e um no rosto.
Morador de Ezaz, ele conta que largou tudo há um ano para se juntar à revolução. Cercado pelos jovens armados, muitos deles desertores do Exército sírio, Dadikhi mantinha a voz pausada e calma em meio à agitação.
Menino sírio segura bomba de gás lacrimogêneo feita no Brasil usada em campo de refugiados na Turquia |
Segundo Omar, um dos combatentes, na batalha final havia cerca de 70 soldados sírios na fronteira contra mais de 130 rebeldes. Um helicóptero da força aérea síria sobrevoou o local nos momentos finais do confronto, mas não abriu fogo.
DEVASTAÇÃO
Dirigindo em alta velocidade veículos blindados da polícia secreta síria, os rebeldes levaram a reportagem da Folha a Ezaz, a primeira aldeia após a fronteira turca.
Em meio à paisagem bucólica de longas fileiras de oliveiras, o cenário é de devastação, numa cidade-fantasma com sinais de guerra por toda parte. O cheiro de metal queimado permanece no ar.
A maioria das casas do lugar foi destruída total ou parcialmente por disparos de artilharia pesada. Pouco restou dos dois postos de gasolina do vilarejo. Mas o mais impressionante são os tanques carbonizados espalhados, como um museu a céu aberto da guerra civil.
A Folha contou sete tanques destruídos, mas os rebeldes dizem que o total é de 13. Quatro deles estavam em volta da principal mesquita da cidade, que era usada como base do Exército sírio.
Ahmad Hassoun, 20, que desertou do Exército, conta sorridente que foram usadas bazucas antitanque (RPG) para inutilizar os tanques. O avanço rebelde o fez mudar de planos.
"Antes da revolução eu só pensava em me mudar para os EUA ou o Canadá", diz. "Agora quero fazer a minha vida na Síria livre."
Segundo o comandante Dadikhi, 90% do noroeste sírio está sob controle dos rebeldes, incluindo a periferia de Aleppo, a capital da região. Só a rodovia principal até a cidade continua nas mãos do regime, afirma.
Festejando a conquista da fronteira, Dadikhi e os soldados rebeldes não perceberam que, a poucos metros dali, um drama estava se desenrolando no campo de refugiados sírios de Kilis, no lado turco da fronteira.
Revoltados com a falta de alimentos e água, os refugiados da Síria entraram em choque com a polícia turca, que respondeu com disparos de gás lacrimogêneo.
Um menino sírio de 8 anos veio correndo mostrar um dos cartuchos usados de gás, com a marca "Made in Brazil" -produzido pela Condor, empresa com sede no Rio.