Imagem: Roberto Stuckert Filho/PR |
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BRAZIL NEWS
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Porto uruguaio financiado em R$2,2 bilhões pelo Brasil 'roubará' cargas de portos brasileiros, alertam operadores
Brasil está em
vias de entrar em uma polêmica no Mercosul ao apoiar um superporto no
Uruguai que poderá roubar cargas dos terminais brasileiros. O apoio
brasileiro, repetindo um financiamento a Cuba, deve ser forte: cerca de
US$ 1 bilhão do BNDES, recursos do Orçamento, via Fundo de Convergência
Estrutural do Mercosul (Focem), e conhecimento técnico, segundo fontes
que acompanham a negociação.
As conversas
entre Brasil e Uruguai para a construção de um porto de águas profundas
estão a pleno valor. Maior oferta de frequências marítimas, fretes mais
baratos, tempo de deslocamento menor e, principalmente, possibilidade de
alcance do mercado asiático pelo Estreito de Magalhães (na extremo sul
do continente), em condições de concorrência com o Canal do Panamá,
atraem o Brasil. Operadores portuários brasileiros, no entanto, temem
uma concorrência com um porto mais moderno, mais capacitado e menos
burocrático (e caro) que os nacionais, principalmente no Sul do Brasil.
O empreendimento será construído em Rocha, cidade a 288 quilômetros de
Rio Grande (RS), onde está um dos mais importantes portos brasileiros. O
projeto uruguaio, segundo os estudos atuais, é ousado: calado
(profundidade) de 20 metros, que permite a atracação de navios com
capacidade para até 180 mil toneladas. Os portos do Sul do Brasil têm,
no máximo, 14 metros de calado e recebem navios com capacidade de até 78
mil toneladas. O porto uruguaio pode sugar cargas da região, afetando
Sul e Centro-Oeste do Brasil, Paraguai, Bolívia e Norte e Centro da
Argentina.
Caso o empreendimento de fato saia do papel, poderá contar não só com
recursos do BNDES e do Focem, como do Programa de Financiamento às
Exportações (Proex), que prevê, por exemplo, subsídios para tornar a
taxa de juros compatível com as do mercado internacional.
Do tamanho de Paranaguá e Rio Grande juntos
Como os navios no mundo são cada vez maiores, para ganho de escala, o
porto deve se consolidar como parte das grandes rotas intercontinentais,
deixando os terminais brasileiros de fora. O próprio governo uruguaio
publica em sua página na internet algumas estimativas sobre o novo
porto, que em 2025 deve movimentar 87,5 milhões de toneladas, mais do
que a soma dos terminais de Paranaguá (no Paraná, com 44,7 milhões de
toneladas em 2013) e de Rio Grande (com 33,2 milhões de toneladas em
2013) juntos. O preço será competitivo no porto uruguaio. Nas rotas para
China, Japão e Sudeste Asiático, a tonelada transportada pode ficar
entre US$ 12,50 e US$ 22,50 mais barata, enquanto para a Europa a
redução de custos pode chegar a US$ 3,50 por tonelada.
A polêmica portuária já existe entre Uruguai e Argentina, que dividem o
Rio da Prata, onde estão os principais portos dos dois países. Uruguaios
acusam os argentinos de dificultarem os planos de dragagem para os
portos do país de Mujica, que seriam mais eficientes que os da terra de
Cristina Kirchner. O novo porto de Rocha, contudo, ficará em mar aberto,
sem a necessidade de envolvimento com a Argentina para resolver
questões do uso comum das águas da Bacia do Prata. O Paraguai, sem mar,
exporta 90% de sua soja pela Argentina, mas já está fechando um acordo
com o Uruguai. E, agora, o Brasil entra no circuito.
— Este é um projeto quase secreto, não temos informações. No Brasil, o
governo não coloca dinheiro nos portos, o setor está travado, mas o
governo estuda apoiar um porto no país vizinho que, sem a burocracia
brasileira, tende a ser mais competitivo que nossos portos. Vemos
empresários com temor de investir em terminais sem saber o que será este
projeto — disse Nelson Carlini, presidente do Conselho de Administração
da LOGZ Logística Brasil, que investe num terminal em Santa Catarina.
Wilen Manteli, presidente da Associação Brasileira dos Terminais
Portuários (ABTP), afirma que o problema não é o Brasil apoiar um porto
do Uruguai, mas a falta de investimentos aqui no país e uma estrutura
legal e burocrática que impede que os terminais nacionais sejam
competitivos internacionalmente. Ele disse que a secretaria de Portos
confirmou que está apoiando tecnicamente os uruguaios.
O BNDES afirma que o projeto não chegou à instituição, mas fontes
revelam que há tratativas e que o banco apoiaria o projeto. O
financiamento não seria à obra do país vizinho, mas se enquadraria na
rubrica de exportações de serviços brasileiros, caso uma empreiteira
verde-amarela faça as obras de Rocha, como é esperado. É o mesmo modelo
do adotado pelo banco para financiar em US$ 685 milhões o porto de
Mariel, em Cuba, reformado pela Odebrecht. Caso se confirme o valor de
apoio ao projeto estimado por fontes — US$ 1 bilhão — o financiamento
seria equivalente ao liberado pelo BNDES ao setor portuário no Brasil em
2012, quando chegou a R$ 2,4 bilhões. Em 2014, o segmento deverá
receber mais R$ 1,8 bilhão do banco.
‘Não há transparência’
O governo do Uruguai não comentou o assunto, pois as autoridades não
estavam disponíveis nas últimas quarta e quinta-feiras. A Semana Santa é
ampliada no país vizinho e representa o maior feriado anual. Ainda
assim, a área de comunicação do governo confirma o projeto, que está em
fase de estudos. Não se sabe se ele seria licitado ou feito por meio de
parceria público-privada (PPP). Estudos preliminares indicam, por
exemplo, que parte dos minérios que deverão ser explorados em Mato
Grosso do Sul e na Bolívia passarão pelo local.
A senadora gaúcha Ana Amélia Lemos (PP) afirma que o porto uruguaio prejudicará o Brasil:
— Não podemos financiar e apoiar um porto no Uruguai quando não se
aplicam recursos no Brasil. E sabemos muito pouco sobre o que realmente
está ocorrendo, não há transparência.
De outro lado, Juan Carlos Muñoz, diretor do Centro de Armadores
Fluviais e Marítimos do Paraguai (CAFYM), afirma que seu país tem
interesse especial no empreendimento:
— Já estamos conversando com produtores brasileiros, de Mato Grosso do
Sul, que poderão também exportar por lá, utilizando nossa rede fluvial —
disse ele, que espera comprar produtos brasileiros, como ferro e aço, a
partir de Rocha.
Uruguai já recebe informações técnicas
A fase atual é de conversas. O governo brasileiro se colocou à
disposição para cooperar na estruturação financeira e técnica do
projeto, que está em fase de elaboração. Os uruguaios já se beneficiam
com informações técnicas relacionadas à confecção do projeto em contatos
com a Secretaria de Portos.
— Nossa visão é que o porto deve contribuir para a infraestrutura final,
criando sinergia com os demais portos sul-americanos — disse uma fonte
do governo brasileiro envolvida nas discussões.
Uma das primeiras iniciativas tomadas foi recomendar ao governo uruguaio
a realização de estudo sobre complementaridade entre o novo porto e os
terminais já existentes. O estudo será concluído ainda neste ano,
segundo fontes envolvidas no assunto. Segundo uma fonte, alguns aspectos
ainda precisam ser definidos, como a dimensão do porto, a estrutura
jurídica e a logística de acesso ao local. Esta fonte afirmou que é
prematuro fazer considerações sobre custos e prazos referentes à obra,
localizada numa das regiões menos habitadas do Uruguai e onde há
perspectiva de exploração de minério de ferro e de aumento na produção
de grãos.
O projeto do porto faz parte da agenda de alto nível entre Brasil e
Uruguai, criada em 2012 pelos presidentes Dilma Rousseff e José Mujica.
Foi instituído um grupo encarregado de impulsionar a integração física
entre os dois países, com ações nas vertentes rodoviária, ferroviária e
hidroviária.
A presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA),
Kátia Abreu, disse não ser contra a construção de um porto fora do
Brasil, desde que beneficie o escoamento da safra agrícola.
— Para o exportador, onde houver porto bom, está ótimo. O que sabemos é
que os investimentos são altos, mas não estamos vendo o tamanho da carga
— diz Kátia Abreu, lembrando que o Uruguai é o único país que não faz
parte do acordo de navegação marítima do Mercosul e não tem acordo
bilateral com o Brasil para a divisão de cargas.
HENRIQUE GOMES BATISTA
ELIANE OLIVEIRA
O Globo
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