O período da ditadura no Brasil foi marcado por construções faraônicas, obras que ainda hoje têm importância estratégica
PONTE RIO-NITERÓI |
A ponte que leva o nome do general Costa e Silva foi um desafio para a engenharia nacional: tem o maior vão em viga reta construído pelo homem e é a 13ª no mundo em extensão. Nos 13 km, por onde trafegam 153 mil veículos por dia, a parte mais complexa foram os 9 km erguidos sobre o mar, o que exigiu a perfuração do subsolo oceânico em busca do terreno rochoso. Para Carlos Henrique, um dos engenheiros construtores da ponte, uma obra como essa só poderia sair do papel na ditadura. “Eu credito ao governo militar o ímpeto, audácia e ganância de materializar o projeto da Ponte Rio-Niterói”. O sonho de fazer uma ligação entre as duas cidades existia desde o Império. |
O resultado prático foi que em 1964 o Brasil era o 45º PIB do mundo e, 21 anos depois, pulou para a 10ª posição. A frase “O Brasil vai bem, mas o povo vai mal”, do presidente Emílio Garrastazu Médici, foi dita quando o PIB atingia 14% ao ano em plena campanha das grandes obras, mas o país se corroía em meio a aumento da desigualdade social e pobreza. Os militares promoveram uma entrada maciça de capital estrangeiro combinada com arrocho salarial, o que resultou em elevados índices de crescimento econômico e inflação baixa, colocando em prática a fórmula de Delfim Netto, de que era preciso esperar o bolo crescer para só depois dividi-lo. “Não se pode distribuir o que ainda não foi produzido a não ser tomando emprestado”, diz hoje Delfim, ao explicar a frase dos anos 70.
ITAIPU E TUCURUÍ |
As hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí respondem por quase um quarto da geração de energia do Brasil. Itaipu é a maior geradora do mundo e abastece 50 milhões de residências. O diretor-geral da binacional, Jorge Samek, destaca: “Geramos 98,6 milhões de megawatt/hora, o suficiente para suprir o consumo de eletricidade do mundo por dois dias”. O progresso costuma ter custos políticos, sociais e ambientais. Quando as comportas de Itaipu fecharam para que o reservatório fosse alagado, a natureza cobrou seu preço: em duas semanas o lago fez desaparecer as cataratas de Sete Quedas, no Rio Paraná. |
“A marca do regime militar e do capitalismo brasileiro era fazer uma propaganda ufanista com essas obras”, diz o historiador da USP Marcos Napolitano. Em 1979, o Brasil triplicou a capacidade da indústria siderúrgica com o projeto Grande Carajás, numa área de 900 mil km², cerca de um décimo do território nacional. Os militares ainda começaram a implementar redes de metrô nas grandes capitais e ampliaram a malha rodoviária asfaltada de 3 mil para 45 mil quilômetros.
TRANSAMAZÔNICA |
A rodovia tem 4 223 km e foi feita para levar 4 milhões de nordestinos que sofriam com o flagelo da seca a ocupar áreas pouco povoadas do Norte do país. O presidente Médici, em 1974, cunhou até uma frase de efeito para a missão da estrada: “Levar homens sem terra para uma terra sem homens”. A rodovia atravessa sete estados, três ecossistemas (caatinga, cerrado e floresta) e custou a vida de 8 mil índios, segundo a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Junto com a estrada também vieram as disputas agrárias e ciclos econômicos de exploração irracional de recursos naturais. Sem um estudo de viabilidade econômica, a maioria dos colonos desistiu de se fixar na região. “A Transamazônica foi um erro produzido pela ignorância de imaginar que a Amazônia fosse um território rico”, diz Delfim Netto. O projeto original previa a fronteira com o Peru como ponto final. O último trecho nunca foi construído. |
As obras de infraestrutura arrebanharam grandes contingentes de trabalhadores. Itaipu teve mais de 40 mil homens no canteiro de obras. A Ponte Rio-Niterói precisou de 10 mil operários; Tucuruí usou 7 mil trabalhadores; e na Transamazônica outros 4 mil estiveram envolvidos na construção da estrada. Para Marcos Napolitano, “a propaganda para legitimar essas obras era eficiente, mas nunca houve preocupação ecológica nem com condições de trabalho. As decisões eram pouco transparentes e tomadas pelos conselhos de Estado, a população só era informada”. O ex-ministro Delfim Netto discorda do acadêmico em alguns pontos. “Nunca houve intervenção militar na administração pública, que era totalmente civil.”
ANGRAS 1, 2 E 3 |
Em 1967, o presidente Costa e Silva deu origem ao polêmico projeto nuclear com a Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto – Angra 1, 2 e 3. As usinas trouxeram benefícios, mas também muitos temores. Além de diversificar a matriz energética, elas não têm sazonalidade como as hidrelétricas, estão instaladas perto dos centros consumidores e o país tem a sexta maior reserva mundial de urânio. Angra 3 só retomou suas obras em 2008, e quando for finalizada vai dobrar a capacidade instalada do Brasil. A termonuclear se arrasta desde os anos 80 e seu custo atinge R$ 10 bilhões. Após o acidente nuclear em Fukushima, no Japão, o país convive com o medo de um desastre nuclear. “Vamos fazer uma avaliação nas usinas de Angra, assim como os outros países também estão fazendo em suas usinas nucleares”, disse o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. |
O país contraiu uma grande dívida externa (havia dinheiro abundante no mercado financeiro mundial) e com ela veio a dependência por mais dinheiro. Itaipu custou US$ 16 bilhões, e sua dívida só será paga em 2023; Tucuruí alavancou US$ 3,7 bilhões; as usinas de Angra 1 e 2 custaram, segundo a Eletronuclear, R$ 1,468 bilhão e R$ 5,108 bilhões; a Ponte Rio-Niterói, US$ 400 milhões, sendo US$ 88 milhões de empréstimo externo com a condição de que o aço do vão central fosse comprado de empresas inglesas. “Foi no governo Figueiredo que os juros aumentaram e que o país se complicou com a dívida externa”, diz Napolitano.
PERIMETRAL NORTE |
A BR-210 foi uma repetição histórica da tragédia da Transamazônica. Planejada em 1973, no auge do desenvolvimentismo econômico, a estrada passa pelas entranhas da Amazônia brasileira, desde o Amapá até a fronteira com a Colômbia. Seu traçado cruzou territórios indígenas e estima-se que cerca de 2 mil índios ianomâmis morreram em decorrência de epidemias de gripe, sarampo e tuberculose. Mais tarde, a propaganda do governo militar feita sobre o potencial mineral do território indígena desencadeou a instalação de garimpos ilegais, provocando mais destruição. |