Teodorin em um de seus veículos. Imagem: Implicante |
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MUNDO: Filho de ditador gasta em uma noite o dobro da dívida que será perdoada pelo Brasil
RIO
– Quando Ali Bongo assumiu a presidência do Gabão, quatro anos atrás, a
Embaixada dos EUA em Libreville reportou a Washington um roubo de R$ 84
milhões (€ 28 milhões) no Banco Central regional, que atende a oito
países da África Central.
Os
diplomatas americanos registraram em documento – disponível nos
arquivos do WikiLeaks – a versão corrente na época: o ditador gabonês
Omar e seu herdeiro Ali foram os beneficiários, e usaram parte dos
recursos para financiar partidos políticos franceses, apoiando inclusive
o então presidente da França, Nicolas Sarkozy.
A
quantia roubada era equivalente a 5% do capital do banco. E dez vezes
maior que o valor do perdão da dívida do Gabão com o Brasil proposto
pela presidente Dilma Rousseff ao Senado.
O
caso enfureceu governantes sócios dos Bongos no Banco dos Estados da
África Central. Todos se sentiram roubados. A família Obiang, que
governa a Guiné Equatorial, exigiu mudanças na direção e na forma de
operação do banco.
Ontem,
Teodoro Obiang Nguema Mbasogo comemorou 34 anos no poder. Aos 71 anos
de idade, ele é o mais antigo ditador africano em atividade.
Obiang
comanda um país cuja riqueza subterrânea, em petróleo, contrasta com a
plena miséria da superfície: sete de cada dez habitantes (600 mil)
sobrevivem com renda inferior a US$ 2 por dia, segundo o Banco Mundial.
Apenas
44% da população da Guiné Equatorial têm acesso à água potável e a
desnutrição impera entre 39% das crianças com menos de 5 anos. O
presidente, no entanto, se destaca entre os oito governantes mais ricos
do planeta, segundo a revista “Forbes”.
A Guiné Equatorial tem uma dívida de R$ 27 milhões (US$ 12 milhões) pendente há duas décadas com o Brasil. O
governo Lula chegou a anunciar sua liquidação, com anistia, mas não
concretizou. A presidente Dilma Rousseff decidiu renegociá-la com
anistia.
No
centro do interesse brasileiro estão petróleo e contratos de obras que
fizeram o fluxo de comércio entre o Brasil e a Guiné Equatorial se
multiplicar, saltando de US$ 3 milhões em 2003 para cerca de US$ 700
milhões no ano passado. Nesse
período, o ditador Obiang tornou-se um “caro amigo” para o
ex-presidente Lula. E personagem relevante aos olhos da presidente
Dilma, para quem “o engajamento com a África tem um sentido
estratégico”.
Auxílio a acusado de genocídio
Para o clã Obiang, a
anistia financeira do Brasil não tem qualquer significado, além de uma
espécie de aval político a uma ditadura contestada na ONU e sob
investigação em tribunais da Europa e dos Estados Unidos.
Para os Obiang, uma quantia de R$ 27 milhões (valor da dívida com o Brasil) é dinheiro de bolso. Teodorín,
filho mais velho e virtual sucessor do ditador, gastou o dobro disso
numa única noitada de compras na Christie’s, em Paris. Foi
durante o leilão da extraordinária coleção de arte de Yves Saint Laurent
e Pierre Bergé, em 2009 – informou o Departamento Antilavagem do
Ministério das Finanças da França em relatório aos juízes parisienses
Roger Le Loire e René Grouman.
Parte
dos lotes que Teodorín arrematou incluía obras de Rodin, Degas e Monet.
Elas foram apreendidas pela Justiça no final do ano passado. A polícia
levou, também, peças de mobiliário avaliadas em R$ 117 milhões (US$ 52
milhões) e uma coleção de carros (sete Ferrari mais alguns Bentley,
Bugatti Veyron, Porsche Carrera, Maybach Mercedes, Aston Martin,
Maserati e Rolls-Royce).
O
“tesouro”, como ficou registrado no boletim de ocorrência, estava em
uma das residências do herdeiro Obiang em Paris – a mansão número 42 da
avenida Foch (distrito 16), com 101 ambientes distribuídos em seis
andares. Alguns dos veículos foram leiloados no mês passado.
No
final do ano passado, a Justiça francesa mandou prender Teodorín por
corrupção e lavagem de dinheiro. Ele recorreu, mas a decisão foi
mantida. No último carnaval esteve em Salvador, mas não foi preso: a
polícia alegou que não sabia de sua presença na capital baiana e nem
mesmo do pedido de prisão na França.
Com
movimentos limitados também está Omar al-Bashir, 69 anos de idade, dos
quais 24 no governo do Sudão. Ele foi condenado pelo Tribunal Penal
Internacional, das Nações Unidas, por genocídio. Recorreu, mas a
sentença foi confirmada no ano passado.
Bashir
suprimiu os partidos políticos, censurou a imprensa e dissolveu o
Parlamento. Autonomeou-se líder do Conselho Revolucionário para a
Salvação Nacional, e também chefe de Estado, primeiro-ministro e chefe
das Forças Armadas. É o ditador de um país cuja superfície é pobre, mas
cujo subsolo tem promissoras reservas de petróleo.
O
Sudão tem uma dívida de R$ 98 milhões (US$ 43,5 milhões) com o Brasil. O
governo informou ao Senado que pretende perdoar 90% do total – ou seja,
uma anistia de R$ 88,2 milhões (US$ 39,2 milhões).
Para Bashir, isso equivale a uma dádiva financeira e política. Ele
é o primeiro presidente da República no exercício da função a se tornar
o alvo de um mandado internacional de prisão por genocídio. O apoio do governo Dilma Rousseff foi, até agora, um dos raros gestos de solidariedade que recebeu neste ano.
(grifos de Implicante)
Reportagem de O Globo
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