Feche os olhos e imagine por um minuto:
Então você, negra, de black e linda acorda em um belo domingo
e decide ir até o shopping, como você tem uma filha/o e como crianças
de qualquer idade, tamanho, cor de pele (sim, pasmem, as negras também)
usam e perdem muitas roupas você entra em uma loja cujo slogan remete a
um carinho para fazer compras. Sua filha/o passa mal e vomita dentro da
loja. Até aqui tudo comum na vida de qualquer mãe, quem nunca passou por
uma situação do tipo que atire a primeira pedra. A situação começa a
ficar incomum no pior sentido da palavra, quando a vendedora te traz um
balde e um pano e te coloca para limpar a loja ‘Por gentileza, a senhora
limpe essa sujeira da loja‘. No susto e no desespero, porque ter sua
filha/o sem roupa, passando mal, exposta ao ar condicionado é uma
situação desesperadora, você executa a tarefa enquanto vendedores e
clientes observam sua atividade.
Consegue imaginar esta situação acontecendo? Agora mude um
pouquinho os detalhes e altere esta mãe para alguém de pele branca. Foi
mais difícil enxergar agora? Doeu mais o frio da criança ou o
constrangimento da mãe?
O caso ocorrido na loja Malwee do shopping Interlagos chegou a
público depois que a mãe em questão publicou seu desabafo nas redes
sociais. Eu acompanhei o caso com olhos bem atentos não apenas porque eu
considerei de um racismo inacreditável (sim sou da opinião que se esta
mãe fosse branca a vassoura jamais lhe seria apresentada e também
porque não acho que o racismo no Brasil esteja de mãos dadas com o
Papai Noel, o Coelho da Páscoa e o Saci, portanto ele existe e se
materializa diante dos nossos olhos sempre que há uma brecha), foi
também de um despreparo e falta de tato e empatia das vendedoras da
loja, que poderiam ao menos ter oferecido um copo de água para esta
criança, chamado socorro ou acionado o serviço de limpeza.
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(Resposta da Malwee – Reprodução) |
Responsabilidade das vendedoras? Sim sem duvida,
algumas coisas a gente traz no coração e ponto final. Mas e a Malwee?
Até onde eu sei, vendedores passam por treinamentos, aprendem sobre as
atividades da loja, sobre respeito e ética. Me pergunto: que treinamento
as moças envolvidas receberam uma vez que a própria Malwee apresenta
uma nota que mais parece um atestado de descaso na mesma rede social que
a mãe apresentou o seu caso e como ele foi muito criticado na própria
página da marca exigia um “cala boca”.
Só isso, Malwee? Claro que não. No dia 09 de setembro esteve
na residência desta mãe uma representante da marca que repetiu o que foi
publicado na nota, pediu desculpas e “presenteou” a família com 4
sacolas com itens da loja. Vamos recapitular: está mãe não comprou uma
camiseta estragada para que fosse substituída por uma nova e, como
pedido de desculpas, recebeu sacolas com itens da loja pelo transtorno,
esta mãe foi humilhada, não só a mãe, mas a criança também, assistir sua
mãe “levando uma bronca” por causa de um acidente que te envolve não é
como um passeio no parque.
O que passou pela cabeça desta assessoria para entregar
brindes a esta família, como um indivíduo, ou um grupo de indivíduos,
conclui que bastam alguns brindes para que tudo seja esquecido? Qual é a
visão da marca Malwee com relação a sua consumidora?
A mim não basta contratar algumas crianças negras para
aparecerem nos comerciais, eu quero mais, quero o mesmo tratamento,
quero respeito por onde passo e quero isto para meu filho também.
Eu era compradora Malwee, já não sou mais. Nem eu, nem grande parte da família que já está ciente do ocorrido.
Mas talvez você seja do grupo dos que bradam: “Ah, mas vocês
veem racismo em tudo!” A você eu só posso afirmar que vejo racismo onde
ele está representado, onde eu consigo me enxergar diante da dor ou do
constrangimento a que a pessoa foi exposta sem a menor necessidade, se é
em tudo é mais um motivo para que a gente fale muito sobre o assunto,
aponte onde ele ocorre e batalhe para que situações como a deste
episódio triste não ocorram mais. E se ainda assim você não se convenceu
da necessidade de abrir os olhos para o que é aceitável e o que não é,
sobre o que é respeito independente de etnia, tom de pele,
nacionalidade, instrução, volte lá no primeiro paragrafo e faça o
exercício de imaginar você nesta situação.
Quando nós, mães, pais, tios, tias, madrinhas, padrinhos
vamos às compras, não raro avaliamos se o material das roupinhas é bom,
se é puro algodão, se não foi costurado por crianças chinesas, por
outras mães bolivianas em situação de semiescravidão, se agrediu o meio
ambiente no processo de tingimento, além das perguntas corriqueiras como
causa alergia ou dá a mobilidade necessária, cada um tem seu critério
de avaliação para aquisição de qualquer produto embora a indústria
aparentemente insista que basta ser bonitinho e com um comercial
apelativo que nosso cérebro será lavado e compraremos como zumbis.
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(Foto: Jonathan Camuzo) |
Eu não gosto de ter minha inteligência subestimada. Além de
avaliar uma série de critérios na hora das minhas compras, eu levo em
consideração o modo como uma marca trata seu consumidor e no (DES)caso
da Malwee, além de vendedoras despreparadas e racistas, sua assessoria
é, no mínimo, desrespeitosa e não deu nem a esta família nem aos seus
tantos consumidores uma resposta digna (a não ser de lamento).
Malwee na minha casa nunca mais. Este ABRAÇO eu estou dispensando.