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BRASIL: Antonio Fagundes "Temos censura que não tivemos nem na ditadura"
"Temos censura que não tivemos nem na ditadura"
O ator diz que a produção cultural do
País sofre censura econômica exercida pelo governo e pelos gerentes de
marketing das empresas que determinam o que vai ou não ser levado ao
público
por Wilson Aquino
ELEIÇÕES
“Eu esperava que o PT fosse um partido íntegro
e não que abrisse outros caminhos de roubo”
Na portaria do Projac, estúdios de gravação da Rede Globo, no Rio de
Janeiro, o funcionário alerta: “Antonio Fagundes? Olha, ele é muito
pontual.” Nos bastidores, a fama do ator é outra, talvez porque cumprir
horários seja algo pouco comum no País. Fagundes, porém, começou a
entrevista na hora marcada e, simpático, discorreu sobre vários
assuntos, como eleições, política cultural e preconceito. Aos 64 anos,
esse carioca que se mudou para São Paulo aos 8 anos até hoje se divide
entre as duas cidades. No Rio, encarna o médico machista César Khoury,
da novela “Amor à Vida”. Fagundes deu uma virada na trama e seu
personagem, que deveria morrer no meio, será mantido até o capítulo
final. Em São Paulo, dedica-se ao teatro nos fins de semana.
"Política no Brasil é uma zona. O Serra está querendo ir para
outro partido; é um absurdo. Ele mudou de ideologia?”
“Na era da comunicação, estamos vivendo num mundo
surdo. Nem voz se ouve. Não tenho computador. Sou
um analfabyte. E isso é uma opção ideológica"
Istoé -
O sr. sempre defendeu a necessidade de as pessoas terem participação política. Já tem candidato para 2014?
Antonio Fagundes -
Sempre dei meu apoio para a
turma do PT. Enquanto estava no Legislativo, tudo bem. Quando botaram a
mão na grana, começou a acontecer, infelizmente, o que acontece com
todos os outros partidos. É uma pena que o PT tenha entrado nisso, era
realmente uma possibilidade de mudar a cara do País. Eu esperava um
partido íntegro, que tivesse um sentido de ética muito forte e que
impedisse as pessoas de roubar, e não que abrisse outros caminhos de
roubo. Então agora vou ter que rever. A perspectiva não é muito boa, mas
sei que democracia é entre os males o menor. Vamos ver quem é que pode
fazer menos mal ao País.
Istoé -
Aposta em novos partidos?
Antonio Fagundes -
Você tem 30 e tantos
partidos e não sabe o que eles pensam, de onde vieram. Sabe que são
sustentados pela venda de votos e do espaço a que têm direito na
televisão. O (José) Serra (PSDB) já está querendo ir para outro partido;
é um absurdo. Se o cara está saindo de um partido e indo para outro,
ele mudou de ideologia? Porque o certo é cada partido ter sua ideologia,
uma forma de resolver os problemas que a sociedade apresenta. Mas
política no Brasil é uma zona, tem alguns partidos e alguns políticos
que, pelo menos, deveriam ter vergonha na cara. Serra, me desculpe, mas
fique quietinho no seu partido...
Istoé -
As recentes manifestações populares podem mudar nossos políticos?
Antonio Fagundes -
Os governantes fizeram uma
coisinha aqui, outra ali, voltaram atrás em uma leizinha e acabou? Não,
não. O imposto eu pago e tem um cidadão lá no Congresso que deve cuidar
das coisas em meu nome. Isso é representatividade. Se por acaso esse
cidadão vai lá e rouba o meu dinheiro, tenho que tirar esse cara de lá e
botar outro. Não sou obrigado a aceitar o (deputado federal Paulo)
Maluf, por exemplo, como meu representante.
Istoé -
Mas eles foram eleitos direta e democraticamente.
Antonio Fagundes -
Não sei se nós votamos mal
ou se o sistema eleitoral é muito malfeito e nos encaminha para isso.
Ver o (senador José) Sarney no poder há tantos anos é um contrassenso.
Ele mudou o título para o Amapá para se eleger. É uma vergonha ele ser
eleito pelo Amapá.
Istoé -
A peça que o sr. vai estrear fala de uma família disfuncional. Que paralelos vê com o mundo de hoje?
Antonio Fagundes -
A peça se chama “Tribos” e
fala um pouco sobre preconceito, de como o mundo está surdo. Essa peça é
de uma família disfuncional, meio louca, de pais intelectuais que têm
um filho surdo, mas decide que ele não deve ser considerado surdo. Até
que ele conhece uma menina que sabe a língua dos sinais e começam a
aparecer os preconceitos. É muito interessante porque estamos vivendo
num mundo surdo mesmo.
Istoé -
Mas essa não é a era da comunicação?
Antonio Fagundes -
É. Mas na era da
comunicação as pessoas estão se excluindo porque elas estão em tribos,
separadas e surdas. Porque nem a voz mais você ouve. Eu não tenho
computador. Eu sou um analfabyte. E isso é uma opção ideológica. Lembro
sempre dos criadores de cavalo quando o automóvel foi inventado. Para
eles foi o fim do mundo, mas era o futuro. O cavalo que se dane. Então, é
inevitável que daqui a alguns anos não tenha mais livro físico. Mas
espero que demore muito porque eu gosto do livro de papel.
Istoé -
Tem página no Facebook?
Antonio Fagundes -
Não. As pessoas falam:
“Como é que você consegue?” A internet é o maior exemplo de
exibicionismo da humanidade. Só que vai chegar uma hora em que as
pessoas vão se sentir angustiadas, porque precisam da privacidade. A
gente jogou a privacidade no lixo. Em troca do quê?
Istoé -
O que acha das leis de incentivo à cultura, como a Lei Rouanet?
Antonio Fagundes -
Estamos vivendo um momento
delicado com a Lei Rouanet. Muita gente vai cair em cima de mim por
causa disso, mas essas leis de incentivo são improdutivas. Uma lei
cultural deve financiar o estímulo à cultura, o aumento de pessoas com
acesso a isso. E não é o que está acontecendo, porque o governo deixou
de decidir quem merece ou quem não merece, quem estimula e quem não
estimula. Agora, são os gerentes de marketing que determinam a política
cultural do País, mesmo sem entender nada de teatro. Quando o governo
passou isso para as mãos de gerentes de marketing, tirou o seu da reta. E
nesse processo temos duas censuras, que não tivemos nem na época da
ditadura
Istoé -
Que censuras?
Antonio Fagundes -
Censuras econômicas: uma
delas é do governo dizendo se você pode ou não captar, porque eles
recebem 20 mil projetos por ano e aprovam dois mil. Mas não sabemos o
critério de aprovação. A outra censura é a do gerente de marketing,
porque se ele disser que não, você não monta seu espetáculo. Então você
vê espetáculos que seriam importantes de serem montados, mas não são, e
espetáculos que não têm tanto valor sendo montados.
Istoé -
Não se consegue montar espetáculo sem patrocínio?
Antonio Fagundes -
Atualmente, somente com
patrocínio. Ninguém mais consegue se manter apenas com a bilheteria. Os
custos subiram tanto que você pode cobrar o ingresso que quiser que não
se mantém. Tanto que os espetáculos não ficam mais de dois meses em
cartaz, a não ser aqueles que têm um aporte contínuo de patrocínio. Nos
meus 47 anos de profissão, tive três patrocínios. Sempre acreditei que
enquanto tivesse público continuaria em cartaz. Hoje em dia não
interessa mais isso, você pode lotar que vai ter de sair dois meses
depois. E, nesse círculo perverso, os teatros não alugam o espaço mais
do que dois meses. Eu diria que, assim como o livro, o teatro está
acabando.
Istoé -
O cinema está na mesma situação?
Antonio Fagundes -
Hoje em dia, nenhum filme
brasileiro se paga, nem o que teve dez milhões de espectadores. E 90%
dos filmes brasileiros têm menos de 20 mil espectadores. E menos de 20
mil não são 19 mil, são 500, 600, 1,2 mil pessoas. A gente ouve falar
que determinado filme teve mais de um milhão de espectadores. Mas são
apenas uns quatro que conseguem e nós fazemos 100 longas por ano. Na
última pesquisa que vi, tinha uma fila de 200 filmes na prateleira
porque não conseguiam sala para exibição, embora o Brasil tenha 2,5 mil
salas. Competimos com cinema americano, francês, alemão, etc.
Istoé -
Para muitos, César, seu
personagem em “Amor à Vida” (César Khoury), é um vilão. Para outros, ele
é um típico cidadão brasileiro. O que o sr. acha?
Antonio Fagundes -
O
César é um cara eticamente inabalável, tem as convicções dele no
hospital, e é íntegro. Mas tem amante, é homofóbico convicto e já fez
umas cagadas no passado. Isso faz você pensar na complexidade do ser
humano. O Walcyr (Carrasco, autor da novela) tem essa característica que
acho ótima: foge do maniqueísmo, da caricatura do bom e do mau. Isso dá
profundidade, humanidade para os personagens e confunde o público, de
certa forma. Mas ter uma surpresinha é sempre bom.
Istoé -
Muita gente se identifica com o César?
Antonio Fagundes -
Isso é surpreendente. Uma
pesquisa mostrou que 50% das pessoas se identificam com ele. Deve ter
homossexual homofóbico também, o que aparentemente pode ser um
contrassenso, mas não é. Tem pessoas que são preconceituosas com a
própria classe, a própria tribo. Mas essa reação do público mostra que o
tema merece discussão mesmo. A gente sempre ouve falar de homofobia e
imagina aquelas cenas horríveis, dos caras batendo em homossexual. Mas a
homofobia pode ser mais violenta ainda sem levantar a mão. Acho que o
Walcyr foi muito feliz e muito corajoso nessa abordagem.
Istoé -
Qual é a sua opinião sobre homossexualidade?
Antonio Fagundes -
Acho que a opção sexual é
como ser vegetariano. Foro íntimo. Esse negócio de mandar as pessoas
saírem do armário é questionável. Por que a pessoa tem que sair do
armário? Não precisa! Ela faz o que quiser na vida íntima, não é
obrigada a abrir sua intimidade. A cobrança acaba sendo outro tipo de
preconceito. Agora, aqueles que saíram têm que ser respeitados. A
verdadeira ausência de preconceito é respeitar tudo.
FONTE: ISTO É